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Artigos Segunda-feira, 20 de Janeiro de 2025, 09:58 - A | A

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Segunda-feira, 20 de Janeiro de 2025, 09h:58 - A | A

ELISMAR BEZERRA

O mistério que há no amor, no ouro e nos diamantes

ELISMAR BEZERRA ARRUDA

Vigia no mundo europeu o Mercantilismo ou pré-capitalismo, como querem alguns historiadores, quando os europeus chegaram nas costas do Brasil, para ocupá-lo definitivamente. Nessa primeira fase do Capitalismo, com uma forte e determinante presença do Estado na Economia, concebia-se que o que dava poder e prestígio aos Estados era a quantidade de metais preciosos, ouro e prata especialmente, que tivessem sob seus domínios. Como a “...Europa nunca foi pródiga em ouro” (como nos diz Sirlei Silveira em sua obra, “Em busca do país do ouro: sonhos e itinerários”, publicada pela editora da nossa UFMT), os países europeus precisavam procura-lo e adquiri-lo onde quer que estivesse; foi quando o governo português investiu em conhecimento e tecnologias para fazer avançar sua engenharia naval – pelo que ganhou os mares e tomou territórios e gentes e riquezas no mundo todo, inclusive aqui...

O ouro enlouquece as pessoas. O ouro de Cuiabá, especialmente o ouro das Minas do Sutil, enlouqueceu a Europa. Diz-se que, quando a notícia da descoberta do ouro em Cuiabá chegou a Portugal, a portuguesada toda queria vir pro Brasil, enricar; o que teria levado o Rei restringir a migração para não esvaziar a Metrópole. Para os europeus, inclusive os portugueses, as Colônias não eram lugar para se promover o desenvolvimento, para ser país; mas, tão somente, ser fonte de riquezas a serem exploradas e saqueadas para as Metrópoles: era descobrir, extrair tudo e levar embora. Observado bem, é assim que, ainda hoje, os brasileiros muito ricos veem e tratam o Brasil – aliás, muitos deles nem aqui moram: vivem nababescos luxos no exterior, custeados com o que exploram aqui...

As Minas do Sutil, que ficavam ali na região da Prainha, davam tanto ouro, que fez o então governante da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, cujo território incluía o que hoje são terras mato-grossenses, vir à Cuiabá ver de perto a situação; aliás, esse sujeito, conforme atestam alguns historiadores, era um trambiqueiro de marca maior: fazia qualquer negócio pra enriquecer. Pra se ter uma ideia dos trambiques dessa gente: diz-se que um desses Capitães-Gerais, um dos que roubava mais que “rato de igreja”, mandou para o Monarca D. João V, uns caixotes de ouro extraída das minas cuiabanas, para que a Corte visse a qualidade e a quantidade do metal precisos existente aqui. Quando os caixotes chegaram em Lisboa foi uma festa na Coroa: o Rei, cheio de alegria e querendo exibir o que a Colônia rendia a Portugal, reuniu toda a Corte em solenidade para abrir os tais caixotes – mas, quando os abriram, para espanto do Monarca e toda a fidalguia, o que se viu foram “pedaços de chumbo cinzento” e nenhum grama de ouro!

O ouro ilude e mata; o diamante, talvez, mais ainda. Conforme registrou Dr. Florisvaldo S. Lopes (publicado por Altair M. Oliveira na obra: “Alto Araguaia: do garimpo a soja”) Bastião Magro, garimpeiro da região do alto Araguaia, pegou uma pedra tão grande em 1919, que deu pra sustentar a raparigada por quase quatro meses; fechou o cabaré do Vitorino Gago por uma semana, mandou buscar sanfoneiro, fez festa sem ninguém pagar nada; treinou tiro nas garrafas do bolicho do Bernardo Cumieira: quebrou tudo, mas pagou, porque naquele tempo, diz ele, ninguém dava prejuízo. Conta, enfim, que seu último bamburro foi em 1931: 400 Contos de Réis; que viveu como um príncipe; chegou a ter seis revólveres Colt Cavalinho. Bastião Magro perdeu tudo, e, ao dar esse depoimento, disse que vivia numa “pindaíba danada...”

Em todas as regiões de Mato Grosso teve garimpo, marcando nossa história: ouro e diamante, especialmente. Pode parecer fábula aos que não viram as ruas descalças de Cuiabá, ouvir que se achava granetes de ouro nessas ruas, depois da chuva. Poucos têm ideia do que foram os garimpos do Nortão, quando centenas de famílias das diversas regiões do País, notadamente do Sul, começaram ser assentadas nos projetos de Colonização do Governo e de empresas privadas. Vendo o que são hoje, os municípios de Peixoto de Azevedo e Alta Floresta, por exemplo, não se imagina a loucura que era: bamburro, malária, shows, desaparecimento, brigas, mortes, ouro aos borbotões. Daquela gente, dos garimpeiros mesmo, quantos restaram vivos e ricos?

Gê tinha entre 17 e 18 anos e, como muitas moças cuiabanas da sua idade, frequentava o concorrido Balneário Dr. Meirelles, que ficava ali no Coxipó. Numa das vezes, com uma amiga conheceu dois franceses: André Perronê e Jean Songy; entabularam conversa que acabou em namoro das duas com os dois. Assim, souberam logo que André era geólogo e, com o Jean, administrava um garimpo localizado no município de Paranatinga, num sítio conhecido como Corgão: lugar de terra dobrada, morros, de difícil acesso, cortado por aquele curso d’água; que conheceram a convite dos respectivos namorados, em 1972 ou 1973. Conta que, lá, conheceram outros dois estrangeiros, africanos, dos quais não se lembrava os nomes; num bom cuiabanês, diz: “– Óia, esteee... lá não ia ninguém; só índio: que passava por lá, e roubavam as tampas dos filtros de barro. Não sei pra quê, eles queriam aquilo”.

Num relato cheio de interjeições, decorre a imagem de um garimpo bem estruturado, em contraste aos sítios no derredor: havia um barracão com duas mesas grandes, rústicas, onde era servida a comida para os empregados, uma mesa menor, onde os estrangeiros e elas comiam, um alojamento para os empregados e, ao lado do barracão, havia uma pista bem limpa e comprida. Tudo era “...tocado por energia elétrica, que vinha de um motor que ficava ligado até a hora de dormir; que fazia funcionar uma maquininha que ficava lá embaixo, no córrego, onde uns oito homens trabalhavam, e sempre com os estrangeiros junto: era só eles que pegavam as “pedrinhas”, que eram separadas”. Na cozinha, “...trabalhava o Dirceu, o cozinheiro”. Havia também, um rádio amador, “...que eles usavam direto, pra falar com o escritório em Cuiabá e com Brasília...”

“Aí, dali debaixo, lá do córrego, o André vinha com uma peneira cheia daquelas pedrinhas brilhando, pra dentro do barracão... Aí, eles ficavam separando e botava tudo dentro de uns vidrinhos com algodão: as pedrinhas ficavam encima do algodão, dentro dos vidrinhos, depois eles arrumavam os vidrinhos com as pedras dentro de umas caixas de papelão...” Então, “...uma vez por semana, já de noitinha, chegava um aviãozinho, teco-teco, com um piloto que eu nunca vi, porque ele nunca descia; aí eles, o André e os outros estrangeiros, levavam aquelas caixas de papelão com os vidros pra dentro do avião, botava lá dentro, e o piloto já saía dali, não sei pra onde...” Sim, é inusual um teco-teco voar à noitinha; mas, disse Gê: “Óis, era muitas pedrinhas que eles tiravam de lá do córrego; tanto que o André falava assim pra mim: ‘pega umas pra você’! Mas, eu burra, achava que era vidro, que não valia nada, e num pegava nada...”

Numa noite, boquinha da noite: “...a gente tava no barracão jantando: os garimpeiros lá (noutra mesa) e nós aqui, eu do lado da minha amiga e eles dois de frente pra nós, na mesa. Foi quando a gente viu aquela coisa iluminada, e eu pensei que fosse o avião, o teco-teco; mas, num era!” Como se ainda impressionada, segue contando: “... quando olhamos direito, era como se fosse duas bacias, assim, de alumínio; e entre elas, umas luzes de tudo quanto é cor, piscando! Aí todo mundo ficou assustado, e eles falaram entre eles, na língua deles, mas tavam apavorados, também; mas, não diziam nada pra gente!” Ninguém mais quis comer, no outro dia, Gê diz que pediu ao namorado pra ir embora, “...a gente ficou com muito medo daquilo; inclusive o Dirceu, que era o cozinheiro, também falou ‘eu aqui não fico’, e foi embora, também!”

O namora de Gê com André não vingou, embora ele quisesse e tivesse insistido para que ela fosse com ele pra França “...mas eu não quis ir”. Com a amiga, deu-se diferente: ela se casou com o Jean, mudou-se para a França, e nunca mais voltou ao Brasil. Da última vez que se falaram, décadas atrás, ela lhe dissera que seu marido francês era um homem de grandes posses; “...ela me disse assim: ‘Gê, você foi muito besta de não ter vindo com o André, ele é muito bem de vida!’” Os pensamentos de Gê viajam, virando imaginação: “Sabe, hoje eu acho que ele mesmo, é que era dono daquilo ali, não sei... Mas, nunca que eu ia embora daqui, pra viver lá!”. Há uns dez anos, Gê aposentou...

Se Portugal levou muito ouro do Brasil pra Europa: Lisboa, Londres, etc., tem-se que muito mais de metais e pedras preciosas saíram e saem do Brasil clandestinamente, ainda hoje. Mudaram os exploradores e contrabandistas, o crime não: este se sofisticou, para seguir lhes rendendo fortunas; menos aos garimpeiros que, para além das histórias e causos, pouco ou quase nada lhes restou. Garimpo é lugar de superstição, de lenda, muita crendice e, sobretudo, terra de muito sofrimento; especialmente para os que entram na catra, para os que mergulham nas águas turvas dos rios para lhes revolver o leito, para quem se esfola no cabo da picareta – para esses, que só têm a si, a própria força de trabalho apostada na esperança de um bamburro que quase nunca vem, o garimpo é um doer continuado...

Porque, pra esses, mesmo o que bamburra, acaba como o Tião Magro: pegou diamante grande, e acabou na miséria....

O garimpo, para quem garimpa, é mistério, sonho acossado por pesadelos vivos e diuturnos – de jeito que, só na velhice, se desperta: quando é tarde demais. Quem sabe seja assim, todos os jeitos da vida assalariada: todo dia, o trabalhador vê o que produz como se envolto em bruma, de modo que não enxerga; porque é o a receber no fim do mês, que as suas vistas alcançam ver sem enxergar a insuficiência real. Tudo é e não é. Mesmo o Amor Verdadeiro, veja: por ele, a virgem se perde em gozoso sonho; por ele, a prostituta pode se salvar, dando-se ao gozo forasteiro. Disse-me um desses, que abandonou tudo antes de endoidar:  o garimpo é modo de viver enfeitiçado!

 (*)  Dr. ELISMAR BEZERRA ARRUDA é professor.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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