A Procissão do Encontro é uma das mais antigas e tradicionais manifestações religiosas de Cuiabá, celebrada desde o século XIX. Com raízes profundas na fé e na cultura popular cuiabana, o rito comove gerações com seu simbolismo tocante: o momento em que Maria, a Mãe Dolorosa, encontra-se com seu Filho, Jesus, carregando a cruz rumo ao Calvário
Segundo registros de jornais de 1875, a procissão tinha início no sábado anterior ao Domingo de Ramos, com a trasladação da veneranda imagem do Senhor dos Passos da igreja que leva seu nome para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho, no Morro do Seminário. Na tarde do Domingo de Ramos, realizava-se então o Encontro: a imagem do Senhor dos Passos saía da Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho e seguia pelas ruas da cidade até se encontrar com a imagem de Nossa Senhora das Dores.
O ponto de encontro entre as duas imagens era a antiga rua 1º de Março — atual Calçadão Galdino Pimentel — na esquina com a Travessa da Assembleia, hoje Rua Campo Grande. Ali se reuniam fiéis, autoridades e representantes do poder civil e militar. A solenidade contava com a presença obrigatória do Presidente da Província, que ladeava o Bispo Diocesano, e dos oficiais graduados em uniforme de gala. Os corpos militares aquartelados em Cuiabá marchavam ao lado do povo devoto.
A importância religiosa e social do evento foi testemunhada por figuras como o etnólogo alemão Karl von den Steinen, que presenciou a procissão em março de 1884. Em sua obra Durch Central Brasilien, ele descreve em detalhes o momento solene que acompanhou ao lado de Dom Carlos Luiz D’Amour, Bispo Diocesano, e do Presidente da Província, General Barão de Batovi.
Segundo von den Steinen, a imagem de Nossa Senhora das Dores, com seu manto azul estrelado, saía da Igreja do Rosário e se dirigia ao ponto de encontro — uma pequena praça na conjunção da atual Galdino Pimentel com a Rua Sete de Setembro. Simultaneamente, a imagem do Senhor dos Passos chegava pelo lado oposto. O sermão do Encontro era proferido de uma das sacadas do sobrado da tradicional Casa Orlando, diante da multidão emocionada.
Após o sermão, o cortejo seguia um trajeto pelas ruas históricas da cidade: descia a atual Sete de Setembro (antiga Rua Senhor dos Passos), passava pela Praça Conde de Azambuja (antiga Rua da Mandioca), seguia pela Rua Pedro Celestino (antiga Rua Augusta), contornava a atual Praça Alencastro (Largo do Palácio), a Praça da República (antigo Largo da Sé), retornando pela Galdino Pimentel (antiga Rua Direita) e, por fim, voltava à Rua Senhor dos Passos, onde as imagens eram recolhidas aos templos de origem.
A religiosidade popular cuiabana atribuía grande poder milagroso à imagem do Senhor dos Passos. Muitos fiéis procuravam medir os pés da imagem, acreditando que o “santo fugitivo” poderia atender seus pedidos. Outros colhiam pedras que ficavam sob o andor ou iam buscar a água do Córrego da Prainha, que, segundo a crença, tornava-se benta e milagrosa no exato momento em que o santo passava sobre a ponte do Mundéu.
Com o passar dos anos, o trajeto da procissão sofreu mudanças. Em tempos mais recentes, a Procissão do Encontro passou a sair da Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho às 17h do Domingo de Ramos, dirigindo-se para encontrar a imagem de Nossa Senhora das Dores em frente à Catedral do Senhor Bom Jesus.
Apesar das mudanças na geografia urbana e nos ritos, a Procissão do Encontro preserva até hoje o espírito devocional e a riqueza simbólica que sempre marcaram o tradicionalismo religioso de Cuiabá. É um testemunho vivo da fé do povo cuiabano e da continuidade de suas expressões culturais ao longo dos séculos.
Francisco das Chagas Rocha
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
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