O resultado da eleição em Cuiabá marca a chegada ao cume do poder da extrema direita em Mato Grosso, processo iniciado em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro.
A vitória do Abílio Brunini, um indivíduo visivelmente desequilibrado emocional e intelectualmente, sem conteúdo programático, sem qualquer compromisso com os aspectos sociais do papel do Estado (Poder Público), só confirma que a anti-politica é, de fato,uma ideologia e que é muito mais poderosa do que se imaginava. Está claro agora, também, que a direita moderada, o centro e a esquerda políticas ainda não sabem como frear esse fenômeno.
A vitoria do candidato do PL é, em si mesma, uma derrota do bom senso para a irreacionalidade, da temperança para o caos já visto e vivido com os quatro anos do desgoverno de Jair Bolsonaro, o modelo de governante e político que guia os passos e balizam o comportamento de Brunini. É tão certo quanto dois mais dois são quatro que veremos em poucos meses, que esta foi uma vitória de Pirro. Ainda que eu rogue aos deuses que me permitam estar errado nesse vaticinio.
O que nos resta agora debruçar sobre os fatos e analisá-los para extrair deles experiências positivas, reconhecer os erros cometidos, corrigir práticas para não repeti-los.
Campanha subterrânea
O que se viu ao longo da campanha eleitoral foi apenas um lado, o da coligação encabeçada pelo petista Lúdio Cabral, tentando manter o debate político dentro dos parâmetros da política tradicional, da racionalidade, transparência e com uma postura engessada pelo temor exagerado ao antipetismo. Uma escolha estratégica que se revelou apenas parcialmente correta. Mais a frente explico porque.
Enquanto seu oponente, Abílio Brunini, movia-se como uma sombra furtiva pelos bastidores, arrebanhando apoios insuspeitos e sigilosos e esgrimia sem pudor algum um discurso caótico, muitas vezes raivoso e outras tantas escorado em pura mentira (fakenews). Sem presença prática de rua, Brunini apostou na campanha subterrânea para evitar o natural desgaste de ser rejeitado publicamente. Ele sabe que não é simpático, que não é querido, que sua imagem é desagradável e não passa confiabilidade aos olhos do povo. No entanto, ele tinha a seu favor dois elementos fundamentais.
O primeiro foi, sem dúvida alguma, a sua própria fidelidade ao seu público alvo e base: os eleitores de extrema direita bolsonaristas. Ao contrário de Lúdio, ele não teve que "mudar de camisa" durante o pleito. Trabalhou com os números do espólio eleitoral bolsonarista fidelizando este eleitorado a sua candidatura. O segundo elemento favorável foi a adoção da estratégia da "igreja invisível" ou "igreja doméstica", uma tática usada por evangelistas em locais de grande restrição a catequese religiosa cristã. Abilio investiu o grosso dos recursos financeiros de campanha nessa tática a fim conquistar o eleitor intermediário de direita e centro-direita das camadas mais pobres da população reunidos nos templos pentecostais, sobretudo nas periferias.
O movimento era de conhecimento da cúpula da campanha de Lúdio, mas, por inércia, descrença ou simples soberba, não foi denunciando publicamente e nem tratado politicamente com o devido vigor e rigor que exigia a causa.
Para além dessas condicionantes concretas nascidas da inteligência política da coordenação da campanha de Abílio, ele também se favoreceu de falhas evidentes da campanha de Lúdio Cabral. Uma somatória de deficiências políticas e estruturais que perseguem as campanhas petistas nas disputas regionais também foram decisivas para que Lúdio não lograsse derrotar nas urnas um adversário muito inferior em conteúdo político e absolutamente inadequado para a função de governante de uma cidade do porte e com as complexidades que tem Cuiabá.
A maioria dos dirigentes petistas em Cuiabá e Mato Grosso tende a acreditar que só a vontade e a garra dos militantes do partido são suficientes para sustentar suas campanhas. Há um grau exasperante de amadorismo e voluntarismo na organização das campanhas, na execução de tarefas e uma total secundarização do planejamento e articulação política do partido para as disputas eleitorais.
Não existem no PT, e nem nos demais partidos progressistas e de esquerda em geral, quadros preparados e com habilidades desenvolvidas para o trabalho indispensável das articulações políticas, nem de cúpula e nem de base. Sempre que as eleições se aproximam, há um bate-cabeça no comando da legenda. A falta de gente capacitada para coordenar as várias frentes e atividades de uma campanha eleitoral leva a uma improvisação na execução das tarefas e, mesmo quando há algum planejamento prévio, por falta de profissionalismo na execução dos planos, tudo acaba sendo feito "do jeito que dá" e não "como deve ser feito".
Não foi diferente nesta campanha em que, é fácil reconhecer, Lúdio teve um desempenho eleitoral extraordinário. Um resultado ainda mais fantástico quando se leva em consideração todos esses problemas de fundo na sua organização partidária. O marketing fez o máximo que pôde, mas faltou o essencial: a mobilização de massa, as articulações consistentes com os vários segmentos organizados, com sindicatos, federações, associações de classe, organizações sociais, com as lideranças familiares (sim, famílias ainda seguem sendo a base da sociedade brasileira, e isso não é nada ultrapassado como acreditam alguns).
Ainda que a campanha de Lúdio tenha buscado essa capilaridade em todo o tempo, o alcance prático das iniciativas se mostrou muito aquém do que poderia ter sido se a tarefa tivesse sido pensada com antecedência e levadas a cabo com mais eficiência.
Em Cuiabá não foi, portanto, uma vitória do melhor candidato sobre o pior, nem do mais simpático sobre um troglodita e, menos ainda, de uma ideologia mais popular sobre outra impopular. Ocorreu aqui uma vitória de uma candidatura mais consistentemente articulada e proativa na execução de seus planos sobre uma candidatura menos competente na preparação da rede de apoios em suas bases, pouco profissional na organização e execução de suas tarefas, passiva e pouco objetiva em sua ação em campo.
Em campanhas eleitorais a regra é clara: quem melhor se articula e fideliza apoios, vence o pleito. Os caminhos para isto acontecer são vários. Mas, todos passam pelo mesmo ponto nevrálgico: articulação política consistente e profissionalismo na execução dos planos de ação. Fora disso, a derrota é um destino inescapavel.
Ao longo de mais de 40 anos como jornalista de política - ao menos 30 deles atuando dentro de campanhas eleitorais - aprendi que candidato que veste figurino que não lhe serve para parecer igual aos adversários, que não fala a própria língua na esperança de reduzir o ímpeto do concorrente, perde mais, e sempre, do que ganha.
*Antonio P. Pacheco é jornalista, especialista em marketing eleitoral e escritor
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