Não é novidade para ninguém que o mundo digital tem avançado a passos largos, redefinindo não apenas a forma como interagimos, mas também como trabalhamos, consumimos e construímos nossa identidade. A tecnologia nos oferece liberdade de comunicação e interação, no entanto, ironicamente, pode nos escravizar de maneiras novas e nem sempre óbvias. E assim, sem perceber, estamos todos dançando conforme a música que o algoritmo toca.
Dessa forma, sob essa aparente liberdade, consolida-se um novo sistema de dominação econômica e social: o tecnofeudalismo, uma espécie de feudalismo 2.0, agora com senhores feudais em escritórios climatizados e servos digitais munidos de smartphones.
O termo não é novo, mas sua popularização recente se deve, principalmente, ao ex-Ministro das Finanças da Grécia, o economista e político grego Yanis Varoufakis. Para contextualizar, o tecnofeudalismo é um sistema emergente onde plataformas digitais transformam usuários em "servos digitais", enquanto as big techs como Apple, Meta e Google operam como novos "senhores feudais". A diferença? Em vez de plantar batatas para o senhor feudal, agora produzimos dados valiosíssimos e ainda pagamos pelo privilégio de entregar essa informação de graça.
Cada like, cada clique, cada segundo que passamos rolando a tela do celular é um pedacinho de tempo e atenção que doamos para essas corporações. E o mais curioso é que, em vez de serem gratos, os algoritmos nos presenteiam com publicidade cada vez mais certeira, fazendo-nos gastar com coisas que nem sabíamos que precisávamos. Já aconteceu de você mencionar algo casualmente e, minutos depois, aparecer um anúncio sobre isso? Coincidência? Só se for a nova versão do "destino digital".
Esse feudalismo digital não apenas concentra riqueza e poder, mas também impacta profundamente a saúde mental dos usuários. E não estamos falando apenas do dilema existencial que bate quando você percebe que gastou três horas vendo vídeos de gatos tocando piano. A constante pressão para acompanhar o ritmo frenético das redes sociais, a busca incessante por validação online e pela "vida perfeita" levam a quadros de ansiedade e depressão. Se na Idade Média os servos tinham que lidar com a fome e a peste negra, hoje lidamos com a praga do Fear of Missing Out, aquela sensação cruel de que todo mundo está se divertindo menos você.
E se você acha que isso é exagero, basta ver o impacto dos filtros de beleza. Um dia você tira uma selfie e parece um elfo celestial. No outro, olha no espelho e descobre que na verdade não tem olhos gigantes e pele de porcelana. A decepção é tamanha que já tem gente cogitando pagar cirurgião plástico para parecer com a própria versão filtrada. Isso sim é um bug na Matrix!
A hiperconectividade também afeta o sono e a produtividade. As notificações incessantes e os mecanismos de reforço intermitente transformam a experiência digital em um verdadeiro cassino. Os algoritmos são projetados para prender você na plataforma a qualquer custo, seja recomendando mais um vídeo "imperdível" ou garantindo que você assista e se reconheça na memória de sua navegação anterior, te mantendo, dessa forma, em sua zona de conforto digital.
Mas nem tudo está perdido. Ao contrário dos servos da Idade Média, que não tinham como fugir do feudo, nós temos ferramentas para resistir. Podemos escolher quando e como nos engajar, criar espaços online mais saudáveis e, de vez em quando, fazer a escolha revolucionária de deixar o celular de lado e viver o mundo real.
A grande questão é: estamos dispostos a recuperar o controle, ou preferimos continuar servindo aos algoritmos, um scroll de cada vez?
(*) FABRICIO CARVALHO é Maestro e Membro da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira n.º 23).
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