O novo presidente dos Estados Unidos assumiu provocando alvoroço, com um sem-número de declarações polêmicas, inclusive atentatórias à soberania de países pacíficos e tradicionalmente aliados. Se são intenções belicosas ou fanfarronices, o tempo dirá.
Houve, porém, no seu discurso de posse uma frase que representa uma ameaça muito concreta para o planeta. Pior: uma tomada de posição que já se traduziu em medidas governamentais que terão graves consequências.
Trata-se de uma guinada de 180 graus na política energética e no enfrentamento das mudanças climáticas.
A frase a que me refiro não é original, pois já vinha sendo repetida há muito em eventos conservadores e anti-ambientalistas. Em inglês: “Drill, baby, drill.” Ou seja: “Perfure, bebê, perfure”. É um slogan que prega o afrouxamento, ou até a revogação, das normas ambientais que estabelecem restrições ao licenciamento de exploração de óleo e gás em áreas protegidas, em virtude da necessidade da proteção de recursos hídricos e/ou florestais e da biodiversidade.
“Drill, baby, drill” é a síntese de um programa de “liberou geral” ou “passar a boiada” para a indústria petrolífera e para a utilização intensa de combustíveis fósseis que, como se sabe há décadas, são os principais responsáveis pela concentração de gases na troposfera, com mais de 70% das emissões globais de dióxido de carbono.
O que era uma frase estúpida tornou-se a linha-mestra de um programa de governo da maior economia do mundo. Entre os seus primeiros atos, o novo presidente retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que fixou os compromissos de 195 países para tentar limitar as emissões de gases do efeito-estufa e reduzir o aquecimento global em curso. Outras medidas reverteram as políticas de transição energética para fontes renováveis e debilitaram os órgãos de regulação ambiental.
No entanto, as mudanças climáticas não são revogáveis por decreto, nem mesmo de um governante tão poderoso e prepotente. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) quando foi adotada a Convenção sobre Mudanças do Clima, os eventos climáticos extremos estão paulatinamente mais frequentes, intensos, dramáticos e mortíferos, sinalizando o agravamento da saúde planetária e a necessidade urgente de mudarmos os padrões de produção e consumo intensificados a partir da era industrial. Há trinta anos acompanho os alertas e a produção científica que trazem sempre mais robustas evidências de que a humanidade está brincando de cabra-cega à beira do abismo.
Nada, aparentemente, sensibiliza o curto-prazismo de maximizar os lucros de um punhado de empresas bilionárias.
Está sendo traído o generoso compromisso com nossos descendentes, presente no conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, satisfazer as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.
As consequências virão, inexoravelmente. Ao “drill, baby, drill” sucederá o “burn, baby, burn” (queime, bebê, queime), como prenunciam os cada vez mais devastadores incêndios na Califórnia, na Europa e no Brasil.
No limite de nossas possibilidades, é preciso resistir e fazer a nossa parte.
(*) LUIZ HENRIQUE LIMA é professor, Doutor em Planejamento Energético e conselheiro independente certificado.
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