O ano de 2024 ainda não acabou, mas registrou diversos crimes bárbaros que chocaram a sociedade mato-grossense, especialmente pelo envolvimento de jovens e adolescentes. Em abril deste ano, o trio de ‘serial killers’ que assolou Várzea Grande por cerca de uma semana e ceifou a vida de três motoristas de aplicativo chamou a atenção pela pouca idade dos algozes, que desenvolveram um ‘desejo de matar’. Outro caso, cerca de um mês depois também teve adolescentes como peça central. O professor de matemática Celso Odinir Gomes, de 60 anos, foi morto por um menor, que teve ajuda de outro para ocultar o corpo em uma região de mata no bairro Parque Atalaia, em Cuiabá.
Em paralelo, uma pesquisa do Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgada em agosto, apontou que mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos, em Mato Grosso, cresceu 45% nos últimos três anos. Em 2023, a taxa foi de 11,5 por 100 mil habitantes, sendo a sexta maior do Brasil. O número registrado no Estado também é maior que a média nacional, de 9,1 a cada 100 mil habitantes.
No Estado, foram 87 mortes em 2021. Em 2022, o número subiu para 115. Já 2024, as ocorrências somaram 127 casos, representando alta de 45%.
A morte por intervenção policial também aumentou. Conforme os números, em 2021, foram 13 mortes por intervenção policial. Em 2022, o número saltou para 21 e em 2023 subiu novamente para 32. A taxa é de 2,9 crianças e adolescentes mortas por 100 mil habitantes.
Para entender os motivos que levam adolescentes a entrar no mundo do crime, o HNT conversou com o professor e mestre em Ciências Sociais, Randalle Silva, que integra o grupo de pesquisa HUMANIZACOM da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
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De acordo com o especialista, o problema tem raízes históricas e ligadas ao racismo estrutural, deixado pela colonização do Brasil pelos portugueses.
Randalle Silva explicou que para entender o agora, é preciso voltar no tempo. Segundo ele, embora a Constituição Federal garanta direitos básicos para toda a população, como saúde, educação, moradia, alguns grupos foram segregados e marginalizados, fazendo com que essas políticas públicas não os assista integralmente.
“No contexto histórico da colonização do Brasil, alguns grupos foram segregados, foram rotulados e estigmatizados. Estou falando dos negros. Haviam leis que proibiam essas pessoas de estudar. Havia uma lei que os escravos não poderiam ir à escola. Há um racismo estrutural na sociedade, ao qual rotula determinados grupos e esses grupos acabam se marginalizando. Quando eu falo marginalizando, não é virando bandido, mas ficando à margem da sociedade”, contextualizou.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), de 2023, 60% dos adolescentes em restrição e privação de liberdade são negros e pardos. Randalle esclareceu que isso acontece porque o Estado e as políticas públicas não chegam até esses grupos, que estão às margens da sociedade.
“Então, nessa construção da sociedade, esses grupos foram sendo privados de direitos, de garantias. Devido a essa ausência do Estado, ao longo de vários anos e está sendo reverberado hoje. Essa ausência de políticas públicas que vêm para eles, a educação de qualidade não chega devido a essa estrutura do Brasil, que não oportunizou a essas pessoas uma vida de qualidade, que reflete em tudo, na saúde, na educação e na segurança e, consequentemente, esses jovens negros acabam não tendo uma oportunidade. Por que que isso? Devido a essa questão estrutural do Brasil, o qual foi omisso com determinados grupos”, pontuou.
Conforme destacou Randelle, a ausência do Estado, de políticas públicas, os problemas estruturais do país e o crime organizado formam um combo que ‘seduz’ o jovem a entrar no mundo do crime.
“O crime está aí, às vezes realizando ofertas a este jovem, ofertas tentadoras e que seduzem e que corroborando para que esses jovens que não têm oportunidade e se veem numa situação de adentrar ao mundo do crime. O crime organizado oferece uma realidade que eles não têm e que o Estado não consegue fazer uma ‘contraproposta’. Ou seja, não consegue tirar da cabeça desse jovem a tendência de adentrar na criminalidade”, disse.
Isso, contudo, não significa que o crime organizado está ‘vencendo’, conforme apontou Randelle, principalmente porque as forças de Segurança de Mato Grosso estão fazendo um trabalho ostensivo para frear e minar o domínio do crime organizado e facções criminosas.
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QUEBRANDO O CICLO
O sociólogo, que também é professor da rede básica e tem contato com jovens de 14 a 18 anos, contou que os menores estão preocupados com essa realidade e não querem perpetuar esse ciclo.
“Eu vejo os jovens realmente preocupados. A gente conversa com esses crianças e adolescentes e eu, principalmente pela disciplina que eu ministro, além da Sociologia, eu ministro Projeto de Vida. O que é o Projeto de Vida? é uma disciplina que tenta contextualizar o todo, trazemos conceitos de família, democracia, sociedade. E o que eu vejo é que os jovens são preocupados com essa situação, eles também não concordam. Tanto é que, se for analisar, os que ‘perdemos’, vamos dizer assim, para a criminalidade é ínfimo. Muitos jovens querem sair da sua realidade, querem sair da realidade do qual estão vivendo, da pobreza. Então eles também preocupam e eles também anseiam por isso, por mudança”, observou.
Na avaliação do sociólogo, para quebrar o ciclo de violência e da criminalidade é preciso instaurar políticas públicas eficazes e que sejam duradouras.
“O que resolve? A educação. Políticas eficazes. Tem que ser uma coisa permanente, não é uma coisa que daqui a dois anos vai estar resolvido o problema se não houver uma continuidade e não só para, vamos dizer, enxugar gelo”, opinou.
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