A expressão "arquitetura hostil" é usada por determinados profissionais para se referir a “elementos instalados em espaços de uso púbico com a intenção de impedir a acomodação e a consequente permanência prolongada de pessoas em situação de rua, como a colocação de estruturas pontiagudas em muretas de canteiro”. O esclarecimento é feito pelo professor do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ricardo Castor. O especialista identifica essas intervenções, também chamadas de “design desagradável” ou “arquitetura antimendigo”, em locais de Cuiabá.
Os assentos “à prova de sono” no terminal rodiviário da Capital, no bairro Rodoviária Parque, e as muretas em pedra bruta do Parque da Luz, onde fica o Morro da Luz, no bairro Bandeirantes, são consideradas instalações que “não convidam ao descanso”. Ao mesmo tempo, o professor faz uma ressalva, ao ponderar que “não se pode afirmar com certeza que essas soluções arquitetônicas sejam intencionalmente projetadas para evitar seu uso por pessoas ‘indesejadas’”.
Embora o termo tenha ganhado destaque pelo mundo há nove anos, quando o repórter Benn Quinn publicou uma matéria no jornal britânico The Guardian, ele ainda não é uma unanimidade entre os especialistas, havendo inclusive quem o questione. É o que afirma o conselheiro suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (CAU-MT), Enodes Soares Ferreira. Ele destaca que a expressão não pode ser compreendida como um estilo arquitetônico, trazendo o debate sobre a relação das pessoas com os espaços públicos.
Enodes Soares acrescenta que o assunto também se manifesta pela ausência de elementos que tragam um certo “estar” da população em uma localidade (bancos, por exemplo), reconhecendo as praças Ipiranga e do Porto (Luiz Albuquerque) como exemplos deste fenômeno na capital mato-grossense.
“A praça Luiz Albuquerque, ali do Porto, por exemplo, ela é mais limpa possível. Não tem nenhum lugar que você possa se abrigar, não tem nenhum lugar que as pessoas possam permanecer por mais tempo ali na localidade. Então, isso a arquitetura acaba provocando em alguns lugares para evitar aquilo que a gente fala que é a permanência das pessoas”, afirma.
Por se tratar de uma capital de médio porte, Cuiabá tem um quantitativo populacional marginalizado menor, comparado a cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Entretanto, Ricardo Castor lembra que o fato de as pessoas não verem elementos hostis na mesma proporção que em outras capitais não implica um progresso na vida delas, fazendo uma análise crítica da dinâmica de ocupação dos espaços urbanos.
“É um conceito dúbio [o da arquitetura hostil], porque a cidade apresenta estratégias muito mais amplas e perniciosas de segregação socioespacial que afetam a população como um todo, e não apenas grupos especialmente vulneráveis, como moradores de rua. Refiro-me a todo tipo de barreiras e carências que isolam e assolam os bairros mais periféricos das grandes cidades, enquanto muros, grades e cancelas impedem o livre acesso a ruas e zonas residenciais mais valorizadas”, pontua o pesquisador da UFMT.
Nesse sentido, Enodes Ferreira complementa dizendo que a expressão 'arquitetura hostil' é considerada pejorativa para os profissionais da área, vez que deposita toda a responsabilidade do problema em cima da classe. Ele frisa que a questão “é uma resposta social à falta de uma série de políticas públicas” e que, neste aspecto, o CAU-MT é contrário ao uso da expressão.
Ao ser questionado sobre o uso do termo, Ricardo Castor não se coloca contra, ponderando que a expressão “deveria ter um alcance muito maior, de modo que abrangesse todo tipo de recurso construtivo ou política urbana causadora, direta ou indiretamente, de segregação socioespacial”. Ao mesmo tempo, declara que trocaria a denominação para “urbanização hostil”.
O HNT perguntou à Câmara Municipal de Cuiabá sobre a existência de algum projeto em tramitação sobre o tema, mas até o fechamento desta matéria, não obteve retorno sobre o assunto. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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