EUA, Rússia, China, Paquistão, Índia, Reino Unido, Israel, França e Coreia do Norte vêm aumentando o número de ogivas implantadas, segundo monitoramento da Federação de Cientistas Americanos (FAS) - ogivas instaladas em mísseis ou disponíveis para serem utilizadas rapidamente, diferentemente das ogivas armazenadas, que exigem tempo para serem preparadas.
A quantidade de ogivas armazenadas tem caído em razão do desmantelamento dos arsenais de EUA e Rússia da época da Guerra Fria.
"O número total de ogivas está caindo, o que dá a impressão de que as coisas estão indo bem, mas não estão", disse Matt Korda, diretor do Projeto de Informação Nuclear da FAS. "O número de armas nucleares em estoques militares, que podem ser usadas em um conflito, está aumentando e não estamos vendo isso acontecer apenas com China e Coreia do Norte, mas também com Reino Unido, Índia e Paquistão. Isso acontece em toda parte com a maioria dos países que têm armas nucleares."
Ao todo, nove países possuem 12.121 ogivas, das quais 9.585 estão em estoques militares. Dessas, 3.904 estão implantadas em mísseis e bombardeiros. Cerca de 2.100 ogivas de EUA, Rússia, Reino Unido e França estão em alerta máximo e podem ser utilizadas em um curto espaço de tempo.
"Conforme os anos passam, esses estoques crescerão. Os países estão reagindo a outros países. É como se todos estivessem em um tipo de corrida armamentista multipolar", afirma Korda.
Auge
Os números atuais ainda são distantes das mais de 70 mil ogivas que existiam no ápice da Guerra Fria, uma redução drástica graças a acordos de controle. Hoje, porém, o mundo retornou à quantidade de ogivas que existiam em 1950, quando EUA e Rússia corriam para desenvolver suas primeiras bombas.
A nova corrida armamentista nuclear, porém, é diferente. Ela acontece no momento em que a diplomacia perde espaço para novos conflitos cada vez mais destrutivos. Em 2023, o número de guerras interestatais atingiu o recorde de 59, ante 55 do ano anterior, segundo a Universidade de Uppsala, na Suécia.
Por outro lado, o número de mortes em combates caiu para 154 mil, no ano passado, de 310 mil, em 2022, ano mais letal desde o genocídio de Ruanda, em 1994. A queda é atribuída ao fim do conflito na Etiópia, até então considerada a "pior guerra do mundo".
Nestes dois anos, duas novas guerras surgiram envolvendo dois países com capacidade atômica: Rússia e Israel. Na Ucrânia, a perspectiva de um conflito nuclear ressurgiu, já que Vladimir Putin constantemente ameaça usar armamentos táticos. No momento mais tenso, Moscou realizou exercícios com armas nucleares táticas na fronteira ucraniana.
"Não vemos armas nucleares desempenharem um papel tão proeminente nas relações internacionais desde a Guerra Fria", afirmou Wilfred Wan, diretor do Programa de Armas de Destruição em Massa, em relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), em junho.
Para agravar a situação, as tensões entre Israel e Irã vêm aumentando, à medida que os iranianos se aproximam de desenvolver sua primeira bomba nuclear. Neste contexto, os EUA aprovaram, em março, um novo plano de estratégia nuclear que, pela primeira vez, coloca a China em foco.
Embora ainda tenham um estoque pequeno em comparação com russos e americanos, os chineses vêm incrementando seu arsenal e podem se tornar a terceira potência atômica na próxima década, segundo o Pentágono.
Doutrina
Estimativas do Sipri e da FAS indicam que a China aumentou suas ogivas de 410, em 2023, para 500, em janeiro de 2024.
"Pela primeira vez, a China pode estar armando ogivas em mísseis em tempos de paz", afirma o relatório do Sipri. "Dependendo de como decidir estruturar suas forças, a China poderia ter tantos mísseis balísticos intercontinentais quanto Rússia e EUA."
De acordo com Korda, a China enxerga a questão nuclear como vital para seu poder de dissuasão. "Por décadas, os chineses tiveram a compreensão de que suas armas nucleares eram exclusivamente para dissuadir", afirmou. "Eles acreditam precisar de um número mínimo para sua segurança."
O salto chinês, a "parceria sem limites" entre Pequim e Moscou e a aproximação entre Rússia, Irã e Coreia do Norte fizeram os EUA mudarem sua doutrina, segundo jornais americanos, com base em documentos do Pentágono.
A nova nuclearização da China também teve impacto na Índia, rival histórico que sentiu a necessidade de aumentar seu próprio arsenal. Como um dominó, a decisão indiana cria a mesma resposta do Paquistão, com quem a Índia tem escaramuças territoriais constantes.
"O que a doutrina nuclear do Paquistão diz é que eles desenvolveram armas nucleares táticas para serem usadas imediatamente", afirma Korda. "Já a Índia pensa diferente. Suas armas são exclusivamente para retaliação massiva, e não para combate em guerra ou uso limitado. Do ponto de vista indiano, a melhor maneira de deter um ataque nuclear do Paquistão é a retaliação massiva."
Mudança
Como seria um conflito nuclear hoje? É uma pergunta que cientistas ainda fazem. Com certeza não seriam disparos generalizados de grandes ogivas que levariam a imensas nuvens de cogumelos, como se imaginava durante a Guerra Fria.
Depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki, seguida pela animosidade entre americanos e soviéticos, o mundo entrou na doutrina da destruição mútua assegurada, que parte do princípio de que uma guerra nuclear causaria a destruição total e deveria ser evitada, tornando as armas nucleares ativos de dissuasão.
Hoje, porém, as bombas são diferentes. Existem ogivas de menor capacidade explosiva. Se na Guerra Fria elas estavam na casa dos megatons, atualmente as armas podem ter menos de um quiloton ou até variar como um dial. A bomba de Hiroshima tinha entre 15 e 20 quilotons e foi capaz de matar mais de 150 mil pessoas em poucos minutos.
Embora menores, as armas de hoje ainda possuem grande capacidade destrutiva, afirma Korda, por isso se tornam mais tentadoras de utilizar do que os poderosos megatons que jogariam a Terra no inverno nuclear.
"Ter armas com rendimento tão baixo pode torná-las mais utilizáveis em uma crise, porque elas não são um sistema bélico que destrói cidades", disse Korda. "Ainda causariam muita destruição, mas bem menos que antes."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Com Agência Estado)
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