Os desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acordaram pelo não provimento de um recurso de apelação com base em dispositivo do Código Civil (Lei 10.406/2022) que não existe.
Em julgamento realizado em março, os magistrados Clarice Claudino da Silva e João Ferreira Filho acompanharam o relator da apelação, Sebastião Barbosa Farias, em voto que citou o artigo 603 do CC com a seguinte redação: “Se o dono da obra desistir da execução do contrato sem justa causa, pagará ao empreiteiro todas as despesas que houver feito, o lucro que razoavelmente obteria e mais metade deste lucro”.
Na verdade, o artigo 603 do Código Civil diz que “se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato”.
Como o processo não corre em segredo de Justiça, o acórdão publicado em 24 de março pode ser acessado por meio do site de consulta processual do Tribunal.
O colegiado do TJ-MT julgava o recurso de uma empresa prestadora de serviços de construção civil contra sentença da 5ª Vara Cível de Cuiabá em processo de sua autoria. Ela moveu uma ação de rescisão contratual combinada com indenização por danos materiais e morais contra uma gigante do setor imobiliário.
Segundo a autora da ação, ela foi contratada pela ré para cuidar da mão de obra de um empreendimento na capital mato-grossense a partir de novembro de 2020. O contrato firmado entre as partes tinha prazo de vigência até dezembro de 2021.
Relata que, a partir de janeiro de 2021, seus funcionários relataram que a ré começou “a criar entraves para a continuidade do trabalho” e passou a oferecer a eles propostas de emprego. Até que, no final de fevereiro daquele ano, foi impedida de acessar o local da obra para trabalhar, configurando rescisão indireta do contrato.
Na Justiça, pleiteou o pagamento de multa contratual no valor de R$ 245 mil, indenização de R$ 80 mil por danos materiais e indenização de R$ 20 mil por danos morais.
Já a ré argumentou que não precisaria pagar multa porque pagou todos os serviços prestados pela autora e que não cabiam indenizações, pois o contrato foi rescindido em comum acordo. Alega que garantiu contraprestação além do contratado e que arcou com as verbas trabalhistas dos terceirizados depois que eles foram “abandonados” nos alojamentos da obra.
O juízo de primeira instância condenou a ré a indenizar por dano moral no valor solicitado pela autora. Mas afastou o pagamento de multa por rescisão por ausência de cláusulas contratuais sobre penalidades e negou a existência de danos materiais por falta de prova de prejuízos.
A prestadora de serviços recorreu da sentença. Alegou que a ausência de cláusula de penalidade por rescisão antecipada atrai os efeitos do artigo 603 do Código Civil e não os afasta. Ou seja, a autora teria direito a receber a retribuição vencida e metade do que ganharia se o contrato fosse cumprido até o final.
O FALSO DISPOSITIVO
Foi ao fundamentar seu posicionamento contrário ao recurso que o desembargador Sebastião Barbosa Farias citou a versão falsa do artigo 603 do Código Civil. Além de o dispositivo inexistente ser mencionado integralmente, ele volta a aparecer ao longo da argumentação.
Por exemplo: “Contudo, razão não lhe assiste. Isso porque o contrato celebrado entre as partes não se caracteriza como um contrato de empreitada pura, nos moldes do artigo 610 do Código Civil, mas sim como um contrato de prestação de serviços. A distinção entre as duas modalidades é fundamental para a correta aplicação do direito ao caso concreto”.
E ainda: “No caso em apreço, a autora foi contratada para a execução de determinados serviços dentro do empreendimento das rés, não havendo como se equiparar sua atividade à de um empreiteiro que assume a responsabilidade integral por uma obra. Assim, o pedido de aplicação do artigo 603 do Código Civil não se sustenta”.
OUTRO LADO
Por meio da assessoria de comunicação do TJ-MT, a reportagem perguntou se o Tribunal, a 1ª Câmara de Direito Privado ou o desembargador Sebastião Barbosa Farias gostariam de se manifestar. Eis a nota enviada em resposta: “Em relação ao questionamento sobre o acórdão da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, na Apelação Cível 1017010-02.2021.8.11.0041, o desembargador Sebastião Barbosa Farias optou por se manifestar exclusivamente nos autos, observando o devido processo legal e o regular andamento processual”.
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