Em ação judicial, a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar) cobra o ressarcimento financeiro aos empreendedores pelos "prejuízos" ocasionados por tais cortes. Segundo a entidade, o problema gerou um desperdício acumulado de energia acima de R$ 1,7 bilhão nos últimos 15 meses, tendo em vista o impacto em usinas eólicas e solares. O problema, no jargão do setor, é chamado de "constrained-off".
O ponto da focal da discussão com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é o aumento do escopo para a possibilidade de ressarcimento aos empreendedores prejudicados.
O primeiro critério para os cortes - e único em que cabe compensação - é a indisponibilidade de equipamentos do sistema de transmissão, ou seja, quando uma linha é danificada, dificultando o transporte da energia. Por ser reconhecidamente problema alheio ao gerador, o ressarcimento é cabível.
Outro critério é o atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica, usualmente relacionados aos limites de escoamento de energia nas linhas de transmissão. Por fim, existe a chamada razão energética, quando a oferta é maior do que a demanda para absorver toda a geração disponível. Nesse caso, os cortes também são demandados pelo ONS.
"Entendemos que isso eventualmente vai acontecer. O que não pode acontecer é não ter ressarcimento comercial, para que os empreendedores prejudicados possam honrar seus compromissos", diz o diretor técnico regulatório da Absolar, Carlos Dornellas.
Os atrasos em obras de transmissão são apontados por agentes do setor como causa de boa parte dos cortes na geração, pois a demora para a ampliação da capacidade do sistema representa um limite para o escoamento da produção de fontes renováveis. A expectativa é que a Aneel mude a classificação para abranger esses atrasos e eventualmente permitir o ressarcimento.
"Entendo que isso está caminhando. Acredito que nas próximas duas semanas tenha algum desfecho que pode ser positivo para as geradoras, talvez não na totalidade, mas que já dá uma ajuda", disse um interlocutor do setor privado, que pediu para não ter nome citado.
A Aneel chegou a mandar um ofício para o ONS fazendo uma série de questionamentos sobre os atrasos de linhas de transmissão e as restrições na geração. Em 31 de outubro, o ONS confirmou ao regulador que os atrasos contribuíram para as restrições de escoamento de geração observadas no Nordeste, em particular no Ceará e Rio Grande do Norte.
Nas respostas à Aneel, é mencionado que a entrada em operação desses ativos foi importante para o aumento dos limites de transmissão, contribuindo para elevação da capacidade de escoamento nesses Estados.
Procurada, a Aneel informou que avança no processo de aprimoramentos regulatório.
Judicialização
A advogada Debora Yanasse, do Tauil & Chequer Advogados, fala em "ondas de judicialização" se não houver revisão de regras sobre o tema, tendo em vista empresas com "prejuízos altos". Para ela, esse é um risco muito difícil de precificar e modelar.
Ela se refere ao fato de que os cortes podem acabar sendo considerados em análises de modelos econômico-financeiros. Ou seja, um banco, ao avaliar uma operação, pode passar a olhar o nível de cortes na usina. O resultado pode ser uma restrição ao investimento.
"Já observamos empresas suspendendo investimentos, com pipeline parado. É algo que deveria ser revisto com urgência do ponto de vista regulatório. Temos alguns clientes que estão nos provocando, e estamos começando a estudar alternativas", disse.
Yanasse alerta ainda para a discussão posterior a um possível ganho de causa das empresas na Justiça, com a perspectiva de que, ao fim, quem provavelmente vai pagar a conta é o consumidor, via tarifa.
"Enquanto não houver maior disponibilidade de linhas de transmissão ou alteração nos modelos operacionais, para aumentar a segurança ao atendimento da carga no horário de pico de demanda o curtailment continuará a ocorrer, especialmente com o aumento da geração solar e eólica", diz o presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan.
O movimento de judicialização ainda está na fase inicial, segundo Frederico Accon, do Stocche Forbes Advogados. Ele lembra que integrantes do setor já comparam a situação à atuação do Poder Judiciário na crise hidrológica desencadeada ao longo do ano de 2012, conhecida como crise do GSF (Generation Scaling Factor). As geradoras hídricas iniciaram na ocasião uma corrida buscando o afastamento da obrigatoriedade de arcar com o déficit percebido à época pelo consumidor.
(Com Agência Estado)
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