Segundo Gonet, "não há elementos mínimos de convicção que justifiquem" a continuidade das investigações. O procurador diz ainda que a Corte máxima não tem competência para atuar no caso, vez que nenhum envolvido tem foro por prerrogativa de função.
Em nota, a Transparência Internacional classificou a decisão de Gonet como "importante" e indicou que é alvo de "campanhas difamatórias" e "assédio legal". (Leia o posicionamento ao final da reportagem).
A apuração foi aberta em fevereiro, em razão da indicação de que a ONG teria sido designada como responsável por administrar a aplicação de R$ 2,3 bilhões em investimentos sociais previstos no acordo de leniência da J&F no âmbito da Lava Jato. À época, a Transparência Internacional negou ter recebido ou gerenciado valores do acordo.
O parecer foi levado ao gabinete de Toffoli às 18h desta terça-feira, 15. Com a promoção de arquivamento apresentada por Gonet, é de praxe que o ministro do STF arquive a apuração aberta após um pedido do deputado federal Rui Falcão (PT).
Segundo Gonet, o parlamentar não sinalizou os acordos nos quais teria ocorrido a suposta "apropriação de capital" pela Transparência Internacional, nem sinalizou atos da força-tarefa da Lava Jato com eventual "escopo de desvio de recursos nacionais" para a organização.
Para o PGR, o pedido de Falcão não tem "sustentáculo probatório" (uma base sólida de provas) e não é suficiente para que o caso seja "indevidamente" apresentado para o STF. Gonet também questionou o direcionamento de relatoria, vez que a petição foi encaminhada ao gabinete do ministro Dias Toffoli em razão de suposta conexão com o processo em que foram anuladas as provas da leniência da Odebrecht.
Gonet também ressaltou que um pedido de investigação sobre a atuação de integrantes do Ministério Público tem de ser avaliada pelo PGR, considerando que eles em a prerrogativa de serem investigados pelo próprio órgão.
De acordo com o chefe do Ministério Público Federal, o órgão abriu uma série de sindicâncias para investigar os pontos levantados por Falcão e os procedimentos "convergiram para juízos terminativos ou negativos de responsabilidade, sem expressão" - ou seja, não foram encontradas provas que viabilizassem uma sanção administrativa ou até mesmo uma investigação criminal.
Com a palavra, a Transparência Brasil
Desde 2018, a Transparência Internacional é alvo de campanhas difamatórias no Brasil, baseadas principalmente em fake news de que a TI receberia ou administraria recursos de multas de corrupção no país. A desinformação é fomentada por ações e declarações caluniosas de autoridades públicas de alto escalão, grandes empresários que confessaram esquemas de macrocorrupção e seus advogados, além de redes de blogs partidários e milícias digitais. A partir de 2021, os ataques evoluíram para o assédio legal, envolvendo a entidade e sua equipe em múltiplos procedimentos judiciais e administrativos, em instâncias e órgãos diversos. Os procedimentos foram frequentemente marcados por heterodoxias e ilegalidades, como interrogatórios policiais abusivos, supressão de instâncias, negativa de acesso e omissão de documentos, desconhecimento de pareceres técnicos, vazamentos seletivos e ameaças.
"Os ataques à Transparência Internacional no Brasil, como em outras partes do mundo, são resultado de nossas ações expondo a corrupção e comprovam a relevância do nosso trabalho confrontando interesses poderosos. Mas isso jamais pode ser normalizado e tolerado. A liberdade e a segurança de ativistas e outros profissionais que atuam em nome do interesse público, como jornalistas investigativos, são elementos fundamentais de uma democracia", afirma François Valérian, presidente da Transparência Internacional.
A decisão do Procurador-Geral da República é extremamente importante, mas ainda é preciso ir além para fazer cessar os processos difamatórios e o assédio judicial contra a TI no país, que são apenas um exemplo dos ataques que tentam, sistematicamente, intimidar e calar ativistas e jornalistas brasileiros.
É fundamental, portanto, que o Brasil priorize o debate sobre a defesa do espaço cívico e mecanismos legais de proteção ao assédio judicial.
A Transparência Internacional vem atuando em diversas partes do mundo contra o fenômeno crescente do assédio judicial. No ano passado, a organização alcançou uma vitória expressiva com a aprovação, pelo Parlamento Europeu, de uma lei inédita contra o assédio judicial a entidades e indivíduos atuando em matérias de interesse público, como a luta contra a corrupção, a defesa dos direitos humanos e da democracia. A "Lei Daphne" foi batizada em homenagem à jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, que respondia a mais de cinquenta processos judiciais quando foi assassinada em 2017. A nova legislação europeia introduz diversas salvaguardas para combater o que se convencionou chamar de SLAPP, a sigla em inglês para litígio estratégico contra a participação popular (Strategic Lawsuit Against Public Participation).
No Brasil, a TI se aliou à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) para promover uma campanha pela aprovação de uma legislação brasileira anti-SLAPP. Em julho deste ano, as duas entidades, junto com o diretor da Fundação Daphne Caruana Galizia e filho da jornalista assassinada, Mattew Galizia, estiveram em reunião para tratar do assunto com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco. No encontro, o presidente se comprometeu a priorizar o debate e aprovação de uma lei contra o assédio judicial a ativistas e jornalistas no Brasil.
"Os ataques constantes jamais conseguiram calar a Transparência Internacional nos mais de cem países onde lutamos contra a corrupção. Não será diferente no Brasil. Ao contrário, reforçamos nosso compromisso com a causa anticorrupção pelo que ela fundamentalmente significa: uma luta por direitos", conclui o diretor-executivo da TI Brasil, Bruno Brandão.
(Com Agência Estado)
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