Preso nesta cela, espero que o tigre se decida. É a minha sentença, da qual não poderei escapar.Preso nesta cela, espero que o tigre se decida. É a minha sentença, da qual não poderei escapar.
É um belo animal, meu companheiro de cela. Um tigre branco, proveniente de Bengala, corpulento, majestoso, impávido. O desenho formado pelas estrias estampadas em seus pelos é tão interessante que me leva à tentação de buscar uma decifração. Tal como meu companheiro de infortúnio, mago da pirâmide de Q., já emancipado, penso às vezes que, se conseguisse decifrar a charada, seria homem livre.
Mas sou fraco, não me contentaria em deixar morrer comigo o segredo.
Se conseguisse descobrir, sairia desta cela, liberaria o tigre e sairia divulgando a verdade. Chegaria a ser rico e famoso. Não existem gurus ricos? Divulgando o mistério, liberaria as pessoas do erro e do engano. Assim, eu seria importante e estimado. Me tornaria arrogante. Seria o sumo-sacerdote de uma nova igreja.
Mas quem acreditaria em mim?... Não, é inútil, não tentarei ler a verdade nas manchas e desenhos hieráticos impressos na pele do tigre. Penso que o segredo pode não estar escrito aí onde busco. Quem sabe nas paredes que me cercam? Esquadrinho os muros, em busca de algum sinal, algum hieroglifo. Mas não quero saber qual é o segredo, já desisti. Então por que procuro por todos os lados? Será uma obsessão?
Passei cinqüenta anos da minha vida procurando a verdade, e já tinha desistido. Agora, encerrado nesta cela asiática, me volta a velha fixação.
Quem sabe nos passos misteriosos do tigre? Quem sabe nos ruídos que me chegam de fora da cela? Ou de dentro?
Às vezes me ocorre que eu deveria devorar o tigre, em vez de ser devorado. Se eu o incorporasse a mim, o que aconteceria? Alcançaria o meu ser o ponto de transmutação? E se ele me devorar? Isso é, na verdade, o que se espera, o que esperam (os que me prenderam), o que espero. Se é um atributo do deus, uma das muitas formas da Águia, não será desejável que ele me devore? Gradualmente, porém, as coisas que tinham tanta importância na minha vida ordinária, vão se esmaecendo. Nada vale nada.
Talvez o tigre seja um atributo do deus. Talvez os raios solares que eventualmente penetram nesta cela tracem signos ou caracteres atinentes ao deus. Há tantos anos esquecido na escuridão, já não distingo as noites dos dias.
Talvez em algum momento eu tenha sido sacerdote do deus. Nosso deus não é um deus qualquer. É O Deus. Não se revela pra qualquer um. Talvez em algum momento, em muitos momentos, tenha eu duvidado de sua existência. Aos deuses, em que afeta nossa dúvida ou nossa crença?
Nosso deus, o Inominado, pode ter como atributo o tigre, o falcão, uma pedra muito escura encontrável em algum lugar não submerso dos continentes perdidos, qualquer ser, tudo ou nada. Eu posso ser um atributo do deus. Ou não. Os deuses são muitos. Ele é um só. Abrahadabra.
(*) JOSUÉ MARSILLA, o autor, é jornalista, poeta e mestre em estudos literários, autor de A Conspiração dos Dinossauros, a ser lançado em breve. Passa a assinar Marsilla, retomando o nome de seu avô Alfonso Marsilla Alvarez.
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