"Eu ainda não tenho certeza se vou pautar esse tema para o próximo ano, porque acho que o debate não está amadurecido e as pessoas ainda não têm a exata consciência do que está sendo discutido", afirmou Barroso, em encontro com jornalistas em Brasília nesta segunda-feira, 9. Para ele, a questão precisa ser amplamente debatida pela sociedade antes que uma decisão seja tomada.
Barroso destacou que, embora ninguém considere o aborto uma prática positiva, a criminalização dele afeta de maneira desproporcional mulheres pobres. Segundo o ministro, o Estado deve oferecer condições para que a prática seja evitada, mas não impor a penalização da mulher como solução. "A criminalização impacta de forma perversa as mulheres pobres, que não tem acesso ao sistema público de saúde", disse.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil apenas em três situações: gravidez resultante de estupro, risco de morte para a gestante e casos de anencefalia fetal. Nos demais casos, a interrupção da gravidez é considerada crime, com penas que podem chegar a dez anos de prisão, dependendo das circunstâncias.
Barroso também reforçou que respeita as convicções contrárias ao aborto e acredita que as pessoas têm o direito de viver conforme suas crenças. "O Estado não tem direito de mandar uma mulher manter a gravidez", afirmou.
Apesar de reconhecer a sensibilidade do tema, o ministro destacou que a criminalização é uma política "inútil e perversa". Ele argumentou que, em vez de resolver o problema, a penalização do aborto perpetua desigualdades e impede que mulheres pobres tenham acesso a cuidados de saúde adequados.
Relação entre os Poderes
Ao abordar as tensões entre os Poderes, Barroso explicou que a Constituição brasileira frequentemente leva questões polêmicas ao STF, que em outros países seriam resolvidas politicamente. Ele enfatizou que, embora o Judiciário cometa erros e acertos, a Corte tem cumprido um papel crucial ao lidar com temas de alta complexidade social e política.
O ministro também defendeu que a questão da descriminalização do aborto não deve ser imposta sem a compreensão e o apoio da maioria da população. "Não adianta o STF querer decidir a questão se 80% da população não entende", disse Barroso, reforçando a necessidade de um diálogo amplo e democrático.
Barroso ainda afirmou que o papel do Estado não é apenas evitar a prática do aborto, mas garantir que as políticas públicas sejam justas e inclusivas. Ele ressaltou que a solução para a questão deve ir além da criminalização, buscando alternativas que respeitem os direitos das mulheres e promovam a saúde pública de forma mais eficiente.
Discurso repetido
No final do ano passado, Barroso fez um discurso similar, após suspender a votação sobre o tema no final de setembro, quando a ministra Rosa Weber, antes de sua aposentadoria, votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Na ocasião, Barroso argumentou que a sociedade ainda não estava preparada para enfrentar o debate de maneira aprofundada.
"Aborto não pretendo pautar em curto prazo porque acho que o debate não está amadurecido e as pessoas ainda não têm a exata consciência do que está sendo discutido. O que eu penso, pessoalmente, é que as pessoas podem e devem ser contra o aborto, ninguém acha que o aborto é uma coisa boa. O papel do Estado é evitar que ele aconteça dando educação sexual, contraceptivos e amparando a mulher que queira ter o filho", disse, na ocasião.
Em 27 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) contra o aborto, que pode acabar com todas as possibilidades previstas no Brasil para a interrupção da gestação de forma legal. A proposição deve passar agora por uma comissão especial, que precisará ser criada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Aprovada por 35 votos sim e 15 votos não, a PEC foi protocolada em 2012 pelo deputado federal cassado Eduardo Cunha (Republicanos-RJ). A redação proposta garante a inviolabilidade do direito à vida "desde a concepção". "A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção", justificou Cunha à época.
Um manifesto publicado por nove organizações sociais contra a PEC argumenta que a proposta acaba com as possibilidades de aborto legal, viola o direito de planejamento familiar, pode proibir pesquisas em embriões não implantados, impede o acesso a diagnósticos de pré-natal e a técnicas de reprodução assistida, fortalece desigualdades raciais e viola direitos fundamentais.
Oposicionistas chamam a iniciativa de "PEC da Vida", enquanto governistas dizem que é a "PEC do Estuprador", já que mulheres não poderiam mais realizar a interrupção da gestação mesmo após terem sido estupradas. "O que se quer é obrigar crianças a serem mães e legitimar o estuprador. Contra a PEC do Estupro", disse a deputada Erika Kokay (PT-DF).
(Com Agência Estado)
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