Quando dezembro chega, Cuiabá (MT) ganha ares natalinos. Por toda parte, a decoração anuncia que estamos em tempos de confraternização, em tempos do menino Jesus. Os motivos natalinos relembram o nascimento de Jesus Cristo.
Segundo o historiador Lenine de Campos Póvoas, Cuiabá nas décadas de vinte e trinta, as festas de fim de ano eram intensamente comemoradas. A diferença daquela época para as de hoje, é que atualmente elas têm um cunho eminentemente social, ao passo que outrora se revestiam de um sentido religioso e familiar.
O Natal era também data festejada em ambiente estritamente familiar. Após o comparecimento às cerimônias religiosas, as atenções se voltavam para as crianças e para a figura do Papai Noel.
Uma tradição que marcava o Natal na Cidade Verde eram os presépios, armados em inúmeras residências, abertos à visitação pública desde as vésperas do dia 25 de dezembro até à noite de Reis, no dia 6 de janeiro. Dezenas deles constituíam atrações nos vários bairros da cidade, reproduzindo a adoração do Menino Jesus pelos Reis Magos e pelos pastores, na manjedoura de Belém.
Para o historiador Lenine de Campos Póvoas, o tamanho dos presépios, o número de figurantes, os animais que apareciam, a beleza do cenário, tudo variava de acordo com a imaginação, a habilidade e o gosto artístico dos que o projetavam e montavam. Muitas das figuras eram feitas de barro, pelas próprias pessoas das residências em que eram armados.
Deodato Arruda nascido em 1926, funcionário público aposentado, morador da Avenida 15 de Novembro, no bairro do Porto, na capital, já falecido, um dos confeccionadores de presépios em Cuiabá, dizia que durante quinze noites que duravam a exposição, uma das distrações da moçada era sair, em grupos, para “correr presépios”. Deveriam ser visitados, pelo menos sete, para dar sorte. Hoje não temos mais Deodato entre nós.
Deodato de Arruda iniciou a confeccionar presépios, ainda, muito jovem juntamente com um amigo chamado, José Teixeira. Entre os anos de 1935 a 1949, faziam com papelão, barro e materiais artesanais as figuras para representar e alegrar o Natal, inclusive, com a colaboração dos demais moradores. Depois, na década de 1940, passou a fazer com o amigo, um trabalho mais elaborado. Mas durou apenas até 1949. Já em 1974, Deodato começou a mudar o presépio colocando movimentos à base de eletricidade, acrescentando figuras maiores e, também, de animais regionais que encantavam sua casa e a todos que por ali passavam. O encantamento do presépio de Deodato seguiu viagem com ele para a morada de Deus Pai. Hoje o seu presépio brilha no céu.
“Seu” Deodato contava que confeccionar o presépio era notável, tanto pela sua montagem como pela motivação dos personagens, movidos à eletricidade, onde as crianças e os adultos ficavam encantados com as suas cascatas, o pássaro que voava sobre a Lagoa, o pescador que fisgava o peixe, a mulher que socava o pilão, o homem que rachava a lenha, os rapazes que serravam madeiras e muitas outras figuras que se moviam em um lindo cenário sobre o qual aparece um lindo luar. Encerrou a visitação no ano 2001 e lamentou, à época, que as crianças e jovens da cidade não teriam a oportunidade de conhecer a sua arte: o presépio natalino.
Conforme memórias do professor Lenine Póvoas havia em Mar Del Plata, na Argentina, um presépio desse gênero, permanentemente montado num colégio religioso, considerado “atração internacional”. “Já o vi por duas vezes e posso afirmar que o do Sr. Deodato de Arruda não lhe fica atrás, em beleza e engenhosidade”, afirmou Lenine em suas memórias.
Mais do que um presépio, a estrutura montada por Arruda até o ano 2001, no bairro do Porto é um registro histórico e cultural da vida dos moradores de Cuiabá, que fez colorir a infância de milhares de crianças mato-grossenses.
Além do presépio de Arruda, na Avenida 15 de Novembro, havia os presépios das casas do farmacêutico Arsênio de Morais, de Dona Petita, da Professora Carlina Moreira, este montado na residência de seu pai, o Cel. Antônio Maria Moreira (ex-Intendente Municipal) - prefeito. No final da Rua Barão de Melgaço havia o do “seu” Freitas, próximo ao Largo da Mandioca (centro) da capital, cujas memórias registramos, em função de que partiram para outra morada.
Conforme, a historiadora Juliene Barbosa da Mata, em Cuiabá, também havia o presépio do “seu” José Gonçalo de Jesus, nascido em 1942, já falecido, professor aposentado, filho de carpinteiro, que aos oito anos de idade já confeccionava com papéis e massas o presépio que, neste período, era aberto em sua casa às visitações públicas. José Gonçalo contava que, principalmente, as moças solteiras seguiam fielmente a lenda que se visitassem sete presépios e furtassem uma pedra logo se casariam. Professor Zezinho, como era conhecido, guardava com carinho um presépio particular para amigos e sua família.
O senhor José Brasil, já falecido, possuía um presépio muito visitado na capital, ali no bairro Mundéu, onde todos os personagens possuíam movimentos, os quais encantavam adultos e crianças.
A professora Elza Oliveira, moradora e nascida no Porto, participava sempre da missa do Galo, à meia-noite, celebrada na época na Paróquia São Gonçalo e demais igrejas, onde cantavam inúmeras músicas natalinas, recordou para a historiadora, o cultivo da pitomba nos quintais cuiabanos, fruta que enfeitava muitos presépios seguindo aquela tradição. Por fim, também não podemos esquecer-nos de Margarida Pinto Figueiredo, aposentada auditiva, já falecida, filha do morador tradicional Francisco Pinto e Aremiza Pinto. Margarida, mesmo surda e muda, fabricou seu presépio por 60 anos, na Rua Miranda Reis, vizinha do comércio “estrela da borracha” fazendo com material reciclado, argila e movimentos nos figurantes do presépio onde transmitia aos visitantes seus sentimentos, alegrando os corações e enchendo os olhos de todos com a magia do Natal. Pena que esses Presépios e esses artesãos não existam mais. Estão disponíveis hoje, os presépios montados nos Shoppings de Cuiabá, Presépio da Prefeitura de Cuiabá, na Praça Santos Dumont e no bairro Três Barras, Presépio do Governo do Estado localizado na “Arena Encantada”, no Estádio José Fragelli, outro no Museu de Arte Sacra, no alto da igreja do Seminário, entre outros.
(*) NEILA BARRETO SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotícias. E-mail: [email protected]
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Neila Barreto 21/12/2019
O sobrinho do professor Zezinho, Arners está está continuando com a arte do Tio em preservar o presépio. Parabéns.
1 comentários