Na atualidade é quase impossível viver sem as ferramentas da tecnologia. Os smartphones guardam consigo informações de todas as órbitas sobre os proprietários. O mundo se rendeu às facilidades e seduções da era digital. Todavia, a sociedade não está livre das muitas situações constrangedoras e criminosas cometidas com tal trivialidade.
O ano de 2017 trouxe inovação importante para os crimes contra a dignidade sexual, quando aconteceu a primeira prisão por estupro virtual. O Estado do Piauí, com a era da internet, após investigação por alguns meses, comprovou a prática do delito via perfil fake na rede social, que ameaçava exibir imagens íntimas da vítima, fazendo algumas exigências de ordem sexual em troca. Na década de 40, com a positivação do Código Penal Brasileiro, certamente seria impensável tal figura. Estupro só seria provável com o toque físico, a fim de comprovar a materialidade.
Recentemente, pesquisa divulgada pela Unicamp anunciou que as redes sociais deixaram de ser apenas um passatempo para as adolescentes, se tornando facilitadoras da violência. Meninas de até 17 anos apresentaram relatos três vezes mais frequentes de estupro facilitado pela tecnologia, do que as mulheres adultas. O resultado se deu a partir da análise de 1,1 mil prontuários de vítimas de violência sexual atendidas no hospital da universidade. O estudo considerou o período dos anos de 2011 a 2018.
Os adolescentes da atualidade são conhecidos como nativos digitais, pois a vida dos jovens está umbilicalmente ligada à internet. Eles e elas não conheceram outra realidade, que não a da globalização pela informática. Segundo a Unicef surgem cerca de 175 mil novas crianças e adolescentes usuários de internet por dia, o que representa a cada 30 segundos uma criança ou adolescente a mais como usuário da internet.
Nesse emaranhado de informações e redes, também acontecem as violências sexuais por meio das mídias digitais, dentre as quais o stalking e o compartilhamento de material íntimo. Os dados mostraram que muitos relacionamentos começaram em ambiente digital, e, após, com o contato pessoal, desaguado em estupros. Uma pesquisa de mestrado orientada pela professora Renata Cruz Soares de Azevedo analisou 1.133 prontuários de mulheres vítimas de violência sexual atendidas pelo serviço de saúde, tendo mostrado que quatro a cada dez pacientes tinham até 17 anos, com relatos de terem sofrido abuso anteriormente.
Foram mencionadas falas de pessoas que começaram por aplicativo, com a ideia de aparência de que já se conheciam há muito tempo. Citaram que na ocorrência do encontro físico eclodiu a ocorrência de crime. Outro elemento que assustou foi o consumo de álcool antes do estupro por 17,9% das adolescentes, e 22,1% pelas mulheres adultas. As substâncias psicoativas foram usadas por 6,3% das adolescentes, e 5,9% das adultas.
O estudo oportuniza a reflexão sobre a importância de a educação passar a abordar a tecnologia aos usuários e usuárias, trazendo os benefícios e riscos para o uso consciente de cuidados necessários.
Outra preocupação trazida pelas pesquisadoras foram as deep fakes e deep nudes, que se perfazem em simulação ou mudança de imagens através da inteligência artificial. Algumas situações ocorreram com manipulações de fotos e vídeos, produzindo conteúdos de nudez e sexo com imagens de pessoas sem a respectiva autorização. A SaferNet divulgou que o ano de 2023 revelou o número de denúncias e imagens de abuso e exploração sexual online maior já registrado em 18 anos.
A ativista americana Andrea Pino expressou: “Toda estudante tem o direito civil à educação: o estupro não deve ficar no nosso caminho”.
(*) ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.
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