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Domingo, 21 de Janeiro de 2018, 18h:00

Mais antigo e famoso engraxate de Cuiabá reclama de destruição de seu local de trabalho

JESSICA BACHEGA

“Eu sou o melhor engraxate do mundo”, se auto intitula Aquilino Alves da Silva, que há 58 anos trabalha no mesmo ponto, próximo à Praça Alencastro. No entanto, há cerca de uma semana está com seu serviço comprometido, porque retiraram a cobertura do seu local de atendimento.

 

Alan Cosme/HiperNoticias

aquilino

 Aquilino não consegue atender seus clientes sem o ponto

“Eu estou aqui a minha vida toda engraxando sapatos. Todo mundo me conhece e é daqui que tiro meu sustento. Minha pensão não dá para nada e agora não consigo trabalhar, porque a prefeitura arrancou meu ponto dizendo que é para melhorar a rota dos ônibus. Eu estou aqui antes de existir ônibus público em Cuiabá. Só tinha duas jardineiras para transportar o pessoal”, diz o idoso de 70 anos, sentado em sua cama, rodeado de malas de sapatos que ainda têm para engraxar, mas que não consegue porque não tem onde se abrigar da chuva enquanto está no local de trabalho.

 

Aquilino é deficiente há cerca de 15 anos, quando por motivos de saúde precisou amputar a perna direita. Na época ele recebeu uma cadeira de rodas, mas não se adaptou e sua locomoção depende da ajuda de muletas. “Eu vejo as ruas sem acessibilidade para quem usa cadeira. É humilhante. Eu não quero não. Eu vou para todo lado de muleta. Quem sofre é meu sovaco que nem tem pelo mais”, conta.

 

O idoso conta que a mudança no local de trabalho ocorreu de noite, sem nenhum aviso prévio. 

 

Alan Cosme/HiperNoticias

edinho

 Edinho tem uma cadeira no mesmo ponto que Aquilino

Ele encerrou suas atividades em um dia e no outro não tinha mais a estrutura que o protegia, assim como seus clientes, do sol e da chuva. “Um segurança me ligou era meia noite dizendo para eu ir lá que estavam arrancando tudo. Não tinha condição de seu sair de casa aquela hora. Quando cheguei estava tudo revirado. Agora, depois que o caso repercutiu, limparam lá e colocaram uma tenda para mim na Praça da Justiça, mas não dá para ficar lá”. 

 

Ao Hipernotícias, a assessoria da prefeitura de Cuiabá disse que o local onde o engraxate trabalha é um ponto de ônibus e que foi retirado porque “destoava” da Estação Alencastro, recém inaugurada. O ponto estava muito danificado e outro deve ser construído no espaço, seguindo o padrão da Estação.

 

Aquilino e o colega engraxate, Edson Crisóstomo de Pinho “Edinho”, que tem uma cadeira para engraxar sapatos no mesmo espaço, serão instalados em um local adequado. “Eles vão ser remanejados para um local adequado ao trabalho deles. Não vão ficar desamparados”, informou a assessoria.

 

Apesar da promessa de construção de espaço para que trabalhem, Aquilino e o colega Edinho não estão nada contentes com a situação.

 

“Espero que cumpram com a promessa, porque do jeito que está a gente não consegue trabalhar. Chove quase todo dia e quando o tempo fecha a gente já tem que recolher nossas ferramentas”, relata Edinho, de 70 anos, que há 30 se dedica a embelezar os sapatos de quem passa por seu ponto. Ele mora no Jardim Vitória e todos os dias se desloca para engraxar sapatos no centro da cidade.

 

Ainda não há previsão para o remanejo dos engraxates para um local definitivo. Nenhum dos dois profissionais quer sair do local, onde ganham a vida há décadas.

 

Arquivo vivo da história de Cuiabá

 

Aquilino nasceu em Cuiabá e viveu com seus avós quando criança. Na pré-adolescência ele fugiu de casa por duas vezes, mas acabou resgatado. Cuiabá ainda era uma vila naqueles tempos quando, não havia sequer água encanada. As pessoas buscavam água nas bicas espalhadas pela cidade ou no córrego da Prainha, que corta o centro da cidade e hoje está soterrado.

 

“No domingo, quando eu queria ir ao Cine Teatro, eu enchia a carriola com latas de querosene vazias e buscava água no córrego para umas moças que moravam na parte mais alta da cidade. Elas me pagavam e eu dava o dinheiro para minha vó. Ela me dava um trocado para eu ir no cinema”, lembra o idoso.

 

Alan Cosme/HiperNoticias

aquilino

 O engraxate mora sozinha em uma sala alugada

Além de carregar água, ele também enchia sacos de esterco de cavalo e vendia para os moradores da região adubarem suas plantas.

 

Depois que os avós morreram, Aquilino ficou sozinho e passou a morar na rua. Ele dormia atrás da igreja, em casas abandonadas, nas calçadas. Quando queria sossego, repousava em um cemitério que existia atrás da Igreja Matriz.

 

Para ganhar dinheiro, ele passou a engraxar sapatos. Observava o que os profissionais mais velhos faziam e os imitava. Aos poucos foi desenvolvendo sua própria técnica e se tornou um dos engraxates mais famosos de Cuiabá. Muito requisitado em época de campanha eleitoral para fotos e vídeos junto com candidatos e populares.

 

Aquilino manteve uniões estáveis durante sua vida, mas não teve filhos biológicos. A última companheira o ajuda até hoje. Ajeita sua casa, leva comida e o auxilia quando precisa ir ao médico.

 

“A gente não tem mais relacionamento, mas ela me ajuda muito. Não sei o que eu faria sem ela”, conta Aquilino entre uma ligação e outra de pessoas que buscam saber sobre sua condição após o desmanche do ponto.

 

Ele vive em um quarto com banheiro em um espaço de salas comerciais no centro da cidade, há poucos metros da Praça Alencastro. Um comerciante o ajuda com o aluguel de R$ 600 em troca de guardar algumas mercadorias no imóvel. Vendedores ambulantes contam com a gentileza do idoso para deixarem seus produtos na casa após a venda nas ruas.

 

Aquilino mora sozinho e sua distração enquanto está em casa é assistir a televisão, sempre sintonizada no canal de esportes, no qual tem informações do seu time preferido: o Corinthians.

 

Um ventilador faz circular o ar abafado no local e ameniza o calor cuiabano que parece ser ainda mais quente no pequeno quarto. Na cama, enquanto Aquilino descansa, repousam um recipiente plástico com o que sobrou do almoço, uma pacote de bolachas já aberto, o controle da TV, garrafas de água, revistas e, na lateral, as muletas que o engraxate usa para se locomover. Tudo ali ao alcance das mãos. 

 

Apesar da idade, dos problemas de saúde e da demolição de seu local de trabalho, o engraxate demonstra alegria pela vida e amor por seu trabalho. “Eu fui ao médico ver sobre uma dor que eu estava sentindo, mas é muito caro. Então eu vou ficar aqui até quando Deus quiser”, declara. “Mas eu estou preocupado em como eu vou engraxar esse monte de sapato. São 24 pares de um desembargador que é meu cliente há mais de 40 anos. Ele traz para mim os sapatos duas vezes por ano e agora eu estou aqui com essas malas de sapato. Vou passar a semana inteira engraxando porque a chuva não deixa eu terminar antes”, relata.

 

Em dias bons, Aquilino e Edinho engraxam cerca de sete pares de sapatos. Depende do serviço que o cliente quer. Cada par custa entre R$ 10 e R$ 50.

 

Idoso reclama da atual situação

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