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Sábado, 30 de Novembro de 2019, 07h:01

Toma aí seus R$ 50,00

SUELME FERNANDES*

Divulgação

Suelme Evangelista


Pela constituição de 1988 e a tradição republicana brasileira temos um sistema presidencialista com parlamento forte, quase um semi-parlamentarismo, um superpoder que interfere decisivamente em todas as ações do executivo. Em nível municipal as câmaras de vereadores cumprem pelo menos cinco obrigações constitucionais. Falaremos sobre elas, sobre qualidade do voto e governabilidade.

A primeira atribuição das câmaras é a de propor indicações e requerimentos às prefeituras. O vereador na cabeça da população seria uma espécie de “despachante de luxo” de obras nos bairros, tanto que até as vezes seu papel se confunde com o do executivo. Com a expansão e uso das redes sociais isso está mudando muito, pois as lideranças comunitárias e cidadãos, hoje em dia, tem acesso a canais diretos com os secretários e até com os prefeitos.

A segunda competência é a de legislar, elaborar leis, mas, devido a abrangência das legislações federais e estaduais, praticamente não sobrou nada de relevante para os vereadores municipais proporem. Prova disso é que a grande maioria dos projetos de lei nas câmaras, uns 90%, tem vícios de origem, inconstitucionalidades. Vereador não legisla em quase nada, apesar de ter uma placa na câmara escrita poder legislativo.

A terceira competência, é a que menos se exerce que é a de fiscalizar as contas e as ações do executivo. Pela Teoria Geral do Estado essa é a atribuição originária mais importante do parlamento junto com a de legislar, são os chamados freios e contrapesos.

Por último, e não menos importante, os vereadores também têm que saber como administrar dinheiro público, pois a constituição prevê repasses obrigatórios de dinheiro para as câmaras, que diga-se de passagem, são muito mal administrados. Na média geral do Brasil 70% das câmaras tiveram algum problema nas prestações de contas junto aos órgãos de controle externo. Para citar como exemplo, o orçamento previsto para prefeitura de Cuiabá em 2020 é de R$ 3,3 bilhões e o repasse anual previsto é de R$ 59.903.000 (milhões) para manter o trabalho de 25 vereadores, um custo mês per capta individual de R$ 2.396.000,00 por vereador ao ano. Para onde vai essa dinheirada toda? Como é usada? Isso vai depender da qualidade das nossas escolhas eleitorais, do bom senso de quem administra os recursos e de nós que devemos fiscalizar.

Como consequência desse sistema de coalizão os prefeitos ficam reféns do nível decisório das câmaras tal qual os governadores e o presidente. Uma câmara mal-intencionada pode dar muito trabalho para uma administração: trancar pauta, enrolar na comissão de constituição, pedir vistas, esvaziar os quóruns, são as famosas manobras regimentais. Um prefeito sempre terá muito trabalho para construir maioria na câmara pra fazer a coalizão, que é uma negociação cansativa entre executivo e legislativo em cima de uma agenda de interesses públicos, distribuição de cargos na gestão do executivo, pagamento de emendas parlamentares e/ou atendimento às indicações dos vereadores.

Coalizão no mundo de sofia é maravilhosa: políticos honestos tocando uma agenda de interesses republicanos, diálogos democráticos e em perfeita harmonia com a democracia moderna. Mas no avesso dessa doutrina, contaminados por nossa cultura patrimonialista, em boa parte dos casos ocorre exatamente o contrário. Conscientes de suas prerrogativas e superpoderes sobre o executivo algumas câmaras têm servido apenas e tão somente para chantagear e/ou para bater carteira dos prefeitos sob ameaças de CPIs e cassações no afã de obter propina dinheiro de caixa 2 para financiar campanhas eleitorais, privilégios e enriquecimento ilícito. Como assistimos nos escândalos do mensalão/lava jato e nos mensalinhos do Silval Barbosa em Mato Grosso. Esse é um caminho curto e rápido para dar celeridade aos tramites nos parlamentos, mas muito perigoso e com vários finais trágicos.

A corrupção que comumente criticamos como culpa da classe política começa na base da sociedade com as decisões irresponsáveis de muitos eleitores que vendem seus votos ou votam aleatoriamente em candidatos à vereador desqualificados, alimentando uma rede de vícios com inúmeros escândalos envolvendo o legislativo e o executivo.

Lá no ponto de ônibus da avenida Brasil, numa roda de passageiros se falava de política: precisamos mudar as leis do país; fechar o congresso; implantar o voto distrital; acabar com fundo partidário; aprovar a lei anticorrupção; diminuir o número de partidos e por aí vai. Leandro Karnal nos ensina que “não existe governo corrupto com população honesta assim como seu inverso”. Portanto, nada mudará nesse país se cada um de nós não tivermos uma maior responsabilidade cidadã na hora de escolhermos quem nos representará nos legislativos, pois nosso futuro, nossa vida, vale muito mais que uma nota de 50 reais.

(*) Suelme Fernandes é Analista Político e Mestre em História