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Artigos Sexta-feira, 03 de Julho de 2020, 07:55 - A | A

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Sexta-feira, 03 de Julho de 2020, 07h:55 - A | A

NEILA BARRETO

Alexandre Trebaure: o santo bretão cuiabano

NEILA BARRETO

ARQUIVO PESSOAL

NEILA BARRETO

Na história cuiabana convivemos com vários personagens dos quais ouvimos falar. Ora um caso ali. Ora um fato acolá e, as pessoas vão dando os seus testemunhos sobre o assunto. O padre Alexandre Trebaure está entre um deles. Nascido na França, ou mais propriamente da região bretã, a 08 de dezembro de 1870. Veio para Mato Grosso com os religiosos da ordem de São Francisco, onde concluiu os estudos de humanidades e filosofia, teologia e direito canônico, a convite de D. Carlos Luís D`Amour. Mais tarde, por motivo de saúde deixou a ordem, sendo mais tarde ordenado sacerdote secular, com o nome de D. Cirilo, sempre ao lado de Dom Carlos Luís D´Amour. Foi criado por uma tia, irmã da sua mãe, a qual não chegou a conhecer. Residiu no seminário e, depois no centro de Cuiabá.

Dessa forma, fomos buscar nas memórias de Luis-Philippe Pereira Leite, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IHGMT, informações sobre esse padre, cuja boa parte do conteúdo, Pereira Leite pesquisou no jornal A Cruz e, também, em testemunhos de memórias.

Conta Pereira Leite que, conversando um dia com o desembargador Ernesto Pereira Borges (18.08.1910), aliás descendente do Pe. Ernesto Camillo Barreto, sobre a vida de Alexandre Trebaure, este manifestou assim por meio das suas recordações de infância: “ Quando ainda era menino e assistia missas dominicais na Igreja da Boa Morte, então conheci o venerando Padre Trebaure que, já me impressionava, sobretudo, pela sua natural humildade e profundo espirito de compunção, celebrando o santo ofício da Missa, que ainda era rezada em latim e estilo romano, acolitado pelo Dedéo, seu bondoso e dedicado sacristão, naquele ambiente de silêncio, recolhimento e religiosidade, predispondo os fiéis à participação naquele santo sacrifício”.

Continuando, Ernesto Borges disse que, era “profundamente tocante o ritual da missa que o Padre Trebaure oficiava lentamente, com palavras pausadas, de santo sacerdote! Depois, já estudando o latim e o francês, nos poucos momentos disponíveis da sua afanosa vida sacerdotal. O Padre Trebaure era só, não tinha outro padre que o ajudasse na sua paróquia. Era um vigário pobre de uma pobre paróquia. Em agradecimento às aulas que recebia do Padre Tebaure, fiz-me também seu ajudante gratuito, passando a servi-lo, como seu sacristão, na preparação do altar, no repique dos sinos, no acompanhamento a todos os atos da santa missa, rezas e tedeus e procissão, vestido de sopreliz, empunhando o tríbulo e a galheta com incenso”.

Borges informa que, “ como eu já me sentia feliz em ajudar aquele santo apóstolo de Cristo. O Padre Trebaure já era realmente um Santo. Sua vida não lhe pertencia porque ele a oferecia diariamente a Deus. Sua aparência era a de um doente que procurava ocultar o próprio sofrimento e a dor. Nunca se queixava. Era extremamente pálido e magro, faces ossudas, olhos quase mirrados, no fundo das grandes órbitas, corpo inclinado acentuadamente para a frente, em atitude de permanente adoração, vestindo uma sotaina preta, com frisos e botões roxos nas bordas, de cima para baixo. Profundamente estimado por todas as famílias de sua paróquia, não lhe faltavam mãos caridosas trazendo alguma cousa para o pobre sacerdote. Porém, bastava que lhe chegassem às mãos qualquer utilidade, já o Padre Tebaure saía, a pé, mesmo com chuva à procura do pobre que precisava mais que ele e voltava exausto, mas tranquilo e satisfeito, embora sem nada haver restado para seu próprio sustento. As crianças pobres que ele batizava gratuitamente enchiam o quintal de sua casa e com elas ele ainda repartia o pouco das espórtulas que recebia, pois eram seus próprios afilhados e afilhadas”.

Longos anos se passaram e, em outra oportunidade Ernesto Pereira Borges complementava o perfil do saudoso pároco, em carta datada do Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1977, testemunhando, ao historiador Luis-Philippe Pereira Leite, rememorando assim:

“Conforme lhe prometi, venho atender a sua delicada solicitação de infatigável pesquisador e divulgador da nossa história, notadamente no que diz respeito `a atuação fecunda da Igreja católica, através de sus bispos e sacerdotes, na formação e desenvolvimento do nosso Estado. É digno de nota o seu empenho, em colher e registrar os subsídios que se vão perdendo no esquecimento, a respeito de figuras veneráveis do nosso clero, como o saudoso Padre Trebaure que doou para Cristo, sagrando-se sacerdote, em sua terra natal, na França, e vindo para Cuiabá, onde se fixou, na sua missão silenciosa de semear o bem, até o último instante de sua vida que Deus, certamente, abençoou, no presente, para santificá-la, no futuro, com o prêmio da eternidade”.

Ernesto Borges, apoiado em remotas reminiscências que ficaram em sua memória, lembrou-se ainda da figura singularíssima do Padre Trebaure – Monsenhor Alexandre Trebaure – impressionando vivamente pela sua natural humildade e, sobretudo, pela sua irradiante bondade. Era bem magro, altura mediana, meio corcunda, rosto pálido, barba e bigodes raspados, faces cavadas, com saliência dos ossos, olhos amortecidos, dentro de fundas órbitas, voz pausada e acentuadamente gutural do francês, vestindo, com simplicidade uma modesta batina de brim pardo, e já lavada e relavada, trazendo sempre à mão, o velho breviário que lia frequentemente. Usava o rapé – fumo-em-pó – que, de momento a momento tirava de uma bolsinha de borracha, e absorvia, pelas narinas já dilatadas. Quando saia à rua, era impressionante a popularidade do Padre Trebaure. Tinha ele que parar, e palavra bondosamente e com paciência, para dar atenção às crianças que o interceptavam para pedir a benção. Era o padrinho que mais afilhado tinha em Cuiabá. E lá ia o Padre Trebaure distribuindo as bênçãos às crianças e afilhados, e até o último tostão que lhe fazia falta para sua própria subsistência”.

Alexandre Trebaure era extremamente pobre e já vivia só com Deus, na rua do PHU, hoje Batista das Neves, em casa de propriedade de Benedito Oscar da Fonseca, entre a rua 24 de Outubro e hoje, avenida presidente Getúlio Vargas, antiga Avenida Murtinho, no antigo Belo Largo, no centro de Cuiabá. A casa demolida ficava justamente no espaço que deu passagem para a abertura da avenida presidente Vargas, no espaço vazio entre o INSS – Instituto Nacional de Seguro Social e o prédio do antigo IAPTEC - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportes de Cargas. O IAPTEC foi criado durante o Estado Novo e, após 1945, expandiu suas áreas de atuação, passando principalmente a financiar projetos de habitação popular nas grandes cidades, hoje inexistente.

Ernesto Borges informava que, o monsenhor Trebaure não gozava de boa saúde. Passava até privações, sem nada reclamar, e sempre pronto, para servir no seu ministério sacerdotal, até mesmo doente e sem comer nada, saía e andava longe, a pé, no tugúrio do pobre enfermo, para ministrar a extrema-unção. Era pobre e dava esmola, comprovando a verdade de que ninguém é tão pobre que nada tenha para dar. Celebrava a missa encomendada, sem se importar com a espórtula, e assim ministrava o batismo e ainda ajudava estudantes pobres, sacrificando seu pouco tempo de descanso, para ensinar francês e latim com espirito de compunção.

Admirador do monsenhor, Borges desfila minucias da personalidade do Padre Trebaure: Falava pouco.  Pregava mais pelo exemplo do que pela palavra. Os paroquianos adoravam seu vigário que nada lhes pedia. Padre Trebaure numa constante atitude serática, mantinha o busto inclinado, para a frente, venerando permanentemente a Deus. E se lhe davam algum dinheiro, repartia com o sacristão e distribuía a pobres e afilhados. Não lhe faltavam, porém, almas caridosas para lhe mandar alimento, testemunhou Borges.

Quando chegou a Cuiabá, o Padre Trebaure foi logo escolhido pelo Bispo Dom Carlos Luiz D´Amour que o secularizou e tomou para seu coadjutor, trabalhando afanosamente na maior e mais pobre Diocese do Mundo. Morrendo Dom Carlos, o Padre Trebaure ficou na sua paróquia paupérrima da Boa Morte. Deus lhe deu para sacristão, o boníssimo homem que todos conheciam pelo apelido DEDEO. Além de sacristão, Dedeo era exímio fogueteiro, confeccionando vistosas girândolas que alegravam as festas religiosas de Cuiabá. Profundamente católico, o Dedeo levava da casa de sua irmã – Doma Bem – as refeições para o Padre Trebaure, assim aliviando a penúria do virtuoso sacerdote que viveu e morreu na pobreza e na humildade, como um verdadeiro servo do senhor, na esperança da ressureição que Deus prometeu aos seus fiéis”.     

Natural da França, veio para o Brasil e ficou em Cuiabá, até a morte sendo sepultado no Cemitério da Piedade. Secularizado pelo Arcebispo Dom Carlos Luiz D´Amour, o Padre Trebaure passou a servi-lo, como seu secretário particular, sendo-lhe então confiada a Paróquia da Boa Morte. Tinha o título de Monsenhor. Conhecedor da Liturgia Católica, o Padre Trebaure foi escolhido por Arcebispo Dom Aquino Correa para dirigir o cerimonial litúrgico das Missas Pontificais da Catedral Metropolitana que Cuiabá que ficaram célebres nos anais da Igreja de Cristo em Cuiabá. Padre Trebaure pregou e praticou o evangelho de Cristo e assim santificou a sua vida para a eternidade, na Paz dos Justos, concluiu, Borges. ”

Temos conhecimento de inúmeros relatos com testemunhos sobre o poder de cura do monsenhor Trebaure, em Cuiabá, entre eles, o de Carmelita Couto (23.01.1908-26.08.1981) que relatou ter conhecido o monsenhor morando na casa de Manoel Pereira Cuiabano, atrás da igreja da boa Morte, cuja refeição era fornecida por dona Maria Isabel, mãe de Gervásio Leite, que nunca lhe cobrou nada, testemunhando ser curada de um reumatismo pelo padre, conforme relato de Pereira Leite.

Franciscano, era membro da Irmandade São Francisco de Paula e, nessa época assinava como Cônego Alexandre Trebaure. Possuía inúmeros afilhados e afilhadas e foi constantemente ajudado pela sociedade cuiabana. Foi condecorado pelos Sumos Pontífices Bento XV e Pio XI com os méritos de Camareiro Secreto.   Faleceu em Cuiabá em 29 de dezembro de 1939, na Santa Casa de Misericórdia, em Cuiabá, aos cuidados do renomado clínico cuiabano Dr. Sylvio Curvo.       

 

(*) NEILA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotíciasE-mail: [email protected]

     

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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